Paschoal Neto
16 de jun de 20203 min
Após voltar da maternidade com a esposa e seus gêmeos recém-
chegados, o escritor americano Anthony Doerr descobriu que recebeu um
prestigioso prêmio da Academia Americana de Artes e Letras: uma bolsa
que incluía ajuda de custo, um apartamento e um estúdio para escrever
na Itália.
“Quatro Estações em Roma” é a memória dos doze meses que o autor
passou na Cidade Eterna em meio ao deslumbramento de um estrangeiro no dia a dia da capital italiana.
O escritor Anthony Doerr e seus gêmeos em Roma
Para escrever sua obra, Anthony visitou as famosas praças, templos,
monumentos e ruínas. Também conheceu açougues, padarias, feiras e
restaurantes. E fez tudo isso caminhando, andando. E, nas raras vezes em que precisou percorrer distâncias mais longas, usou o transporte coletivo.
Está certo que caminhar por Roma e visitar seu famoso “museu a céu
aberto” não é uma tarefa muito difícil. Desfrutar das belezas de uma
das mais belas cidades do mundo a pé é um prazer “spetacollare”.
Roma no verão
Tudo bem que São Paulo não seja Roma. Mas com um pouco de boa
vontade e perseverança dá para se inspirar no autor americano e
desfrutar de belezas simples e escondidas, que na maioria das vezes
passam despercebidas aos nossos apressados olhares.
Metade do meu percurso para o trabalho faço caminhando. Todos os dias
ando quase 5 km. Com chuva ou sol. Não tem tempo ruim.
O único problema, segundo minha filha, é que falo com tanta gente no
caminho que demoro o dobro do tempo.
Começo o trajeto cumprimentando o frentista do posto de combustível e
ouvindo o sempre risonho “bom dia pra nós doutor”. Mais alguns metros
e a primeira parada acontece para ouvir as estórias de João Augusto, o
enorme segurança do shopping e seus aparelhos azuis nos dentes. Se
pudesse ficaria horas ouvindo...
Como ninguém é de ferro, ando mais um pouquinho e paro para um
cafezinho com o engraxate. Uma figura! Terno e gravata e uma lábia que
atrai clientes aos montes.
Beco do Batman, no bairro de Vila Madalena, em São Paulo
Acelero o passo. Acho que minha filha tem razão. Aceno para o
manobrista da padaria e mando beijos para a garçonete que me atenderá
na hora do almoço.
Cheguei. Nem vi o tempo passar. Adoro essa caminhada matinal e o
contato com gente como eu que nem se importa em começar o dia com o
trânsito maluco, o barulho e a poluição.
Na hora do almoço, mais uma caminhada para ir e voltar. Com um pouco
mais de calma, dá para prestar atenção nas árvores antigas e enormes,
nos prédios modernos e antigos que se misturam e nos canteiros floridos
e bem cuidados, patrocinados por empresas que se preocupam com a
mobilidade na cidade. Bela iniciativa.
Avenida Rebouças
Quando anoitece, a hora de voltar pra casa, andando, é claro, tem um
ingrediente a mais: happy hour na banca Itália. Com localização
privilegiada, na esquina da Faria Lima com a Rebouças, o santista Valmor traz mesinhas e banquinhos de madeira, cervejas no ponto certo e petiscos deliciosos. Quem precisa de Roma?
Chego mais de uma hora atrasado e a dona da casa pergunta onde eu
estava e por que demorei. Conto o que aconteceu e escuto: “pronto, só
essa que faltava. Agora você faz happy hour em banca de jornal”?
Essa era minha rotina antes da pandemia. Não vejo a hora de tudo isso
terminar para esticar as pernas por aí e reencontrar os personagens de
uma cidade que, se não é eterna, ainda é capaz de nos surpreender com
belezas esquecidas e que despertaram apenas durante o silêncio da
quarentena.