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  • Por Matheus Moreira

Cinco perguntas para entender a importância da mobilidade na vida da cidade


Doutoranda e pesquisadora do LabCidade explica a relação entre os cidadãos e a mobilidade urbana das grandes cidades

O que é mobilidade urbana? Esse conceito, tão reproduzido em discursos políticos e em jornais parece dizer muito, mas na prática limita a compreensão das parcelas vulneráveis da sociedade e acaba esvaziado de sentido.

Para discutir os avanços e retrocessos, bem como as medidas de mobilidade aplicadas à cidade de São Paulo, o Pro Coletivo conversou com a doutoranda da FAU-USP e pesquisadora do LabCidade no projeto ObservaSP, Leticia Lindenberg. Ela é orientada pela também arquiteta e urbanista Raquel Rolnik.

De acordo com Lindenberg, mobilidade urbana “pode ser descrita como a capacidade de uma pessoa de se mover pelo espaço”, caracteriza. Ao ser perguntada sobre o conceito, a doutoranda ressaltou que, ao pensar em mobilidade, deve-se pensar, também, sobre as condições de vida dos cidadãos e, então, “como essa condição afeta a mobilidade urbana”.

Em uma metrópole como São Paulo, em que cerca de 3900 pessoas circulam pelas cinco linhas paulistas de metrô, geridas pelo Metrô São Paulo, nos dias úteis, discutir o uso dos espaços e do transporte coletivo se tornou essencial.

Em anos eleitorais, propostas e contrapropostas sugerem soluções para o trânsito, a superlotação de trens, metrôs e linhas de ônibus. À frente da prefeitura entre 2013 e 2016, Fernando Haddad, hoje ex-prefeito e professor de Ciência Política na USP, Universidade de São Paulo, chegou a ser chamado de “visionário urbano” por apostar no transporte coletivo e privilegiá-lo.

Para entender melhor as relações entre o cotidiano dos cidadãos paulistas e paulistanos com a mobilidade urbana, o Pro Coletivo enviou cinco perguntas à Letícia Lindenberg:

1. Quais os desafios que a mobilidade urbana paulista enfrenta?

Inúmeros, mas particularmente o modelo ideologicamente centrado no automóvel. O argumento de que automóveis seriam necessários frente às dimensões da cidade não se confirma quando olhamos para dados da pesquisa de Origem-Destino do Metrô. Uma grande parte das viagens de carro envolve distâncias facilmente cobertas com bicicleta. As viagens mais longas, relacionadas fundamentalmente com padrões de segregação macro (emprego concentrado no quadrante sudoeste e densidade demográfica nas franjas urbanas), são realizadas fundamentalmente com ônibus.

2. O que caracterizaria um mobilidade urbana de qualidade?

Equidade no acesso à cidade, segurança e prioridade para usuários mais vulneráveis aos locais mais privilegiados. Por locais mais privilegiados me refiro à rua mesmo, qualquer uma, ao nível do chão, ou seja, passarelas e túneis para pedestres e ciclistas deveriam ser descartados no ambiente urbano e priorizada a circulação no nível da rua para as pessoas.

3. Qual sua avaliação sobre a mobilidade da cidade de São Paulo?

Avalio a mobilidade de São Paulo como refém de políticas elitistas. A população mais pobre fica refém de locais de moradia afastados e serviços não priorizados no sistema [de transportes] e a classe média refém do modelo centrado no automóvel.

4. Quais os avanços e retrocessos na mobilidade da capital paulista?

O alinhamento de políticas municipais com diretrizes definidas pela Política Nacional de Mobilidade Urbana foi um grande avanço para São Paulo, afinado inclusive com ideais que vêm sendo intensamente debatidos ao redor do mundo. Os avanços são a priorização do transporte coletivo, a implantação de infraestrutura para circulação de bicicleta, a intensificação do programa de segurança viária através da redução de velocidades (que se iniciou antes do Haddad), além da priorização do uso de ruas por pessoas, mesmo que só algumas e somente aos domingos, e do fomento à participação social através da criação de espaços públicos de diálogo entre sociedade civil e poder público sobre mobilidade urbana. Trata-se de uma evolução, mesmo que tudo isso tenha sido ínfimo perto do acúmulo que temos de políticas pró-automóvel ao longo de todo o século XX. Em relação aos retrocessos, podemos citar especialmente a segurança viária e a retirada de infraestrutura para bicicleta (sob a justificativa – muito mais factóide do que fato – de que seria substituída por outro modelo), mas também a tentativa de neutralizar os espaços públicos de diálogo, e, talvez, retomar a velha forma de fazer política, à moda de Jânio Quadros, em uma corrida para alavancar votos e alavancar uma possível escalada política nos níveis federativos.

5. Qual o papel da mobilidade urbana na luta pela desigualdade social, étnica, de gênero e de orientação sexual?

Essa é uma questão bastante complexa. A (falta de) mobilidade urbana pode ser causa ou efeito dessas desigualdades, um círculo vicioso de acirramento delas. De todo modo, a ligação entre um aumento da mobilidade e supostamente a redução de desigualdades não é linear. É necessário entender o que está sendo aumentado quando a mobilidade é aumentada e o que isso significa para quem a mobilidade está sendo aumentada. Por exemplo, fazer mais viagens – medida comumente adotada para verificar desenvolvimento no âmbito da mobilidade – pode significar desigualdade de gênero, ligado à divisão sexual do trabalho desigual, sendo as mulheres mais frequentemente responsáveis pelas atividades domésticas e de cuidado com a família. Essa condição pode resultar numa maior quantidade de viagens femininas (vários destinos: levar filhos na escola/médico, compras, etc) comparativamente às viagens masculinas (mais pendularizadas: casa-trabalho-casa). Isso não necessariamente ocorre em São Paulo. A pesquisa OD (Origem-Destino) mostra uma quantidade de mulheres imóveis absurda, o que reduz muito a quantidade total de viagens femininas, mas estou somente conceituando o problema para mostrar que o aumento da mobilidade não necessariamente aponta menos desigualdade. Ao contrário, ele pode ser exatamente sintoma de alta desigualdade.

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