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  • Por Rafael Drummond *

Por que a licitação dos ônibus é tão importante?


O transporte coletivo de São Paulo move cerca de 8 milhões de passageiros diariamente na cidade: 6 milhões nos ônibus, 2 milhões no metrô. Mesmo sendo o meio de transporte de massas por excelência, o metrô ainda é um sistema complementar à rede de ônibus que alcança todos os bairros e distritos da cidade. Exatamente por seu peso na conta da mobilidade urbana da maior metrópole da América do Sul, o novo processo de licitação dos serviços de ônibus merece grande atenção da população.

Os contratos atuais com as empresas concessionárias foram assinados em 2003, e após quase 15 anos de vigência estão chegando a seu limite, devendo ser renovados o mais rápido possível. Desde 2015 a prefeitura tenta lançar o edital de contratação dos serviços, mas por quase 2 anos esbarrou nos questionamentos do Tribunal de Contas do Município (TCM), que tem prezado pelo interesse público e determinou problemas que devem ser corrigidos. A gestão do prefeito João Doria Jr. promete equalizar todos os elementos necessários para que isso aconteça e já anunciou que abrirá consulta pública do texto do edital no dia 21 de dezembro para que todos os interessados possam contribuir. Essa será a chance de entender como funcionará o novo sistema e de aparar as arestas do texto.

A nova licitação é uma oportunidade de alcançar não somente um serviço de alta qualidade, mas também de atrair novos usuários ao sistema de ônibus, um modo mais sustentável de locomoção em comparação com os automóveis particulares. Mas para isso será necessário um modelo baseado na ideia de um Poder Público que seja capaz de garantir a qualidade dos serviços ou de estabelecer, ao menos, um pouco de justiça social.

Por tais motivos, alguns pontos merecem especial atenção de todos nesse período de consulta pública: a forma de remuneração das empresas, a listagem de bens reversíveis e o prazo dos contratos.

Durante os protestos contra o aumento das passagens em 2013, discutiu-se a como as empresas eram pagas por seus serviços. Segundo os atuais contratos, para cada passageiro que passa pela catraca do ônibus a prefeitura repassa às empresas um valor referente àquele passageiro, independentemente se o usuário possui alguma gratuidade ou está usando a integração do Bilhete Único. Isso pouco reflete os custos reais do sistema e termina por separar as linhas entre as que são lucrativas e as que não são, o que faz com que haja áreas na cidade que recebam mais investimentos do que outras.

Devido aos problemas que se acumularam, como a necessidade de aumentar as tarifas do transporte acima da inflação e o pequeno interesse em linhas pouco lucrativas, os técnicos da SPTrans, empresa que administra o sistema de ônibus, já decidiram que o pagamento por passageiro será substituído por uma fórmula baseada no cálculo dos custos operacionais. Ela deverá ser ponderada por itens, como o cumprimento de viagens programadas, e índices que levam em conta o nível de qualidade dos serviços. A definição de tais índices não pode ser negligenciada, pois atende a uma grande demanda por melhorias no conforto do usuário.

Em uma concessão de serviço público, tudo o que estiver listado como investimento obrigatório das empresas concessionárias e que deve ser devolvido ao Poder Público ao fim do contrato é relacionado como bem reversível. Tal artifício jurídico é uma maneira de desonerar a administração pública de investimentos volumosos e assegurar a continuação dos serviços após o fim da concessão. Melhorias em terminais ou a criação de sistemas de controles operacionais, por exemplo, poderão ser incluídos na lista de investimentos, mas afetarão diretamente o quanto as empresas devem receber como compensação e, principalmente, o quanto o usuário pagará na tarifa do transporte.

Os sistemas de controles operacionais facilitarão a supervisão da qualidade dos serviços, pois por meio deles é possível controlar se o ônibus saiu no horário correto ou se há um aumento de demanda inesperada e deve-se acionar mais veículos para atender a população. Entretanto, quanto mais itens reversíveis houver ou quanto mais investimentos eles demandarem, maior será o custo do sistema e maior será a conta do usuário. A decisão de quais itens devem ser colocados no edital precisa ser feita com cuidado e atenção dos cidadãos.

As comparações com outras cidades são inevitáveis e necessárias. A cidade de Londres contrata empresas privadas para operar seu sistema de ônibus, assim como acontece em São Paulo, porém seus contratos duram 5 anos e podem ser estendidos por no máximo mais 2 anos. A extensão do contrato somente acontece se os serviços de tais empresas são bem avaliados pela população. Enquanto isso, a lei municipal de São Paulo atual estipula que a concessão dos serviços será de 20 anos, com possível renovação por mais 20.

Além disso, na capital britânica, de 15% a 20% das linhas são licitadas a cada ano, o que permite a constante adaptação às alterações da cidade e impede que haja um monopólio natural tão consolidado como o que ocorre aqui no Brasil. Dessa forma, as empresas precisam, constantemente, ofertar valores justos e qualidade no serviço para não perder a concessão.

Se não realizarmos mudanças profundas no sistema de ônibus de São Paulo, os mais vulneráveis continuarão a ser jogados cada vez mais para fora das áreas bem equipadas e ficarão a mercê de serviços de baixa qualidade. Nesse sentido, a mobilidade é um instrumento fundamental para o uso democrático da cidade e precisa ser bem usado. Os reflexos do possível “descuido” com o assunto poderão fazer com que os problemas que levaram a população às ruas em 2013 se perpetuem por muitos anos.

* Rafael ​Drummond ​é ​jornalista ​formado ​pela ​UNESP ​de ​Bauru ​e ​planejador ​urbano ​pela Universidad ​de ​Buenos ​Aires ​(UBA). ​Atualmente ​é ​membro ​do ​apē ​– ​estudos ​em ​mobilidade, participa ​do ​GT ​Mobilidade ​da ​Rede ​Butantã e integra o time do Pro Coletivo.

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