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  • Paschoal Neto

Caminhar é um prazer


Após voltar da maternidade com a esposa e seus gêmeos recém- chegados, o escritor americano Anthony Doerr descobriu que recebeu um prestigioso prêmio da Academia Americana de Artes e Letras: uma bolsa que incluía ajuda de custo, um apartamento e um estúdio para escrever na Itália.

“Quatro Estações em Roma” é a memória dos doze meses que o autor passou na Cidade Eterna em meio ao deslumbramento de um estrangeiro no dia a dia da capital italiana.

O escritor Anthony Doerr e seus gêmeos em Roma

Para escrever sua obra, Anthony visitou as famosas praças, templos, monumentos e ruínas. Também conheceu açougues, padarias, feiras e restaurantes. E fez tudo isso caminhando, andando. E, nas raras vezes em que precisou percorrer distâncias mais longas, usou o transporte coletivo.

Está certo que caminhar por Roma e visitar seu famoso “museu a céu aberto” não é uma tarefa muito difícil. Desfrutar das belezas de uma das mais belas cidades do mundo a pé é um prazer “spetacollare”.

Roma no verão

Tudo bem que São Paulo não seja Roma. Mas com um pouco de boa vontade e perseverança dá para se inspirar no autor americano e desfrutar de belezas simples e escondidas, que na maioria das vezes passam despercebidas aos nossos apressados olhares.

Metade do meu percurso para o trabalho faço caminhando. Todos os dias ando quase 5 km. Com chuva ou sol. Não tem tempo ruim.

O único problema, segundo minha filha, é que falo com tanta gente no caminho que demoro o dobro do tempo.

Começo o trajeto cumprimentando o frentista do posto de combustível e ouvindo o sempre risonho “bom dia pra nós doutor”. Mais alguns metros e a primeira parada acontece para ouvir as estórias de João Augusto, o enorme segurança do shopping e seus aparelhos azuis nos dentes. Se pudesse ficaria horas ouvindo...

Como ninguém é de ferro, ando mais um pouquinho e paro para um cafezinho com o engraxate. Uma figura! Terno e gravata e uma lábia que atrai clientes aos montes.

Beco do Batman, no bairro de Vila Madalena, em São Paulo

Acelero o passo. Acho que minha filha tem razão. Aceno para o manobrista da padaria e mando beijos para a garçonete que me atenderá na hora do almoço.

Cheguei. Nem vi o tempo passar. Adoro essa caminhada matinal e o contato com gente como eu que nem se importa em começar o dia com o trânsito maluco, o barulho e a poluição.

Na hora do almoço, mais uma caminhada para ir e voltar. Com um pouco mais de calma, dá para prestar atenção nas árvores antigas e enormes, nos prédios modernos e antigos que se misturam e nos canteiros floridos e bem cuidados, patrocinados por empresas que se preocupam com a mobilidade na cidade. Bela iniciativa.

Avenida Rebouças

Quando anoitece, a hora de voltar pra casa, andando, é claro, tem um ingrediente a mais: happy hour na banca Itália. Com localização privilegiada, na esquina da Faria Lima com a Rebouças, o santista Valmor traz mesinhas e banquinhos de madeira, cervejas no ponto certo e petiscos deliciosos. Quem precisa de Roma?

Chego mais de uma hora atrasado e a dona da casa pergunta onde eu estava e por que demorei. Conto o que aconteceu e escuto: “pronto, só essa que faltava. Agora você faz happy hour em banca de jornal”?

Essa era minha rotina antes da pandemia. Não vejo a hora de tudo isso terminar para esticar as pernas por aí e reencontrar os personagens de uma cidade que, se não é eterna, ainda é capaz de nos surpreender com belezas esquecidas e que despertaram apenas durante o silêncio da quarentena.

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