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  • Chantal Brissac

“O significado da palavra união nunca foi tão importante”


Fundador da construtora Cyrela, Elie Horn é um dos maiores filantropos do país. É o único brasileiro que faz parte do The Giving Pledge, programa criado por Bill Gates para incentivar bilionários a destinar ao menos metade de suas fortunas para ações filantrópicas. À frente da ONG Movimento Bem Maior, que ele fundou com quatro empresários, Horn acredita que a sua missão é implantar a cultura da doação no Brasil. Ele próprio, inspirado pelo pai, vem fazendo isso desde os 38 anos de idade. Já doou 60% do seu patrimônio.

Nascido há 75 anos em Alepo, na Síria, e vivendo no Brasil desde os oito, Elie Horn é simples, generoso, transparente e carismático: um homem que vive em função do bem comum, conversa com Deus diariamente e que não vê outro propósito para a vida na Terra do que a caridade. Confira a entrevista feita com ele em fevereiro, pessoalmente, e também em maio, por email.

O senhor é o único brasileiro a fazer parte do The Giving Pledge, grupo de bilionários doadores criado por Bill Gates. Como aconteceu isso?

Aconteceu há uns vinte anos, quando um consultor cubano me perguntou por que eu não fazia parte do grupo. E aí eu fui. Por enquanto sou o único brasileiro, até conseguir trazer um (risos).

Por que é difícil fazer a elite brasileira doar?

Todo dia eu recebo gente e falo de filantropia e de Deus. As pessoas são boas, o problema é a inconsciência. O homem é bondoso, mas é ignorante, materialista e burguês. O que impede as pessoas de doar é o medo de se expor, de prometer e porque às vezes dói no bolso (risos).

Mas para o senhor não dói?

Eu aprendi usando um truque. Tirar o dinheiro do bolso sempre dói, mas como o dinheiro não é mais meu (quando eu doo), aí não dói mais, porque eu passo a ser gerente e não mais o dono. Muda o enfoque, você não sofre mais.

A partir do momento em que o senhor começou a doar, o que mudou na sua vida?

Doar dá significado ao dinheiro. Quando você doa, passa a escravizar o dinheiro; quando é egoísta, vira o escravo. Mas o mais importante é que nossa obrigação nessa vida é fazer o bem. Esse é o único sentido da vida na Terra, e ele só é possível doando dinheiro e tempo para quem precisa.

Quando o senhor se abriu para a filantropia?

Quando eu tinha 37 anos, o meu pai prometeu doar 100% do que ele tinha para a caridade. Eu decidi copiar meu pai. Mas eu tinha uns gurus naquela época, e eles me convenceram a fazer a doação de 60%. A maior e melhor lição da minha vida foi esse ato de meu pai, de doar toda a fortuna dele para ações sociais.

Como foi a vinda da sua família para o Brasil?

Meu pai faliu quando eu tinha oito anos, época em que viemos para o Brasil com dinheiro pago pelo cunhado e pelos primos. Viajamos no porão do navio e ficamos cinco anos vivendo em São Paulo com a ajuda de parentes. Aos 19 anos eu comecei a trabalhar vendendo produtos químicos de porta em porta, depois fiz corretagem de imóveis e então passei a comprar e vender apartamentos. Com 25 anos fiz R$ 100 mil, com 29 anos eu fiz R$ 25 milhões.

Como esse salto aconteceu?

Descobri uma brecha no setor imobiliário que é comprar terreno e permutar com o consultor, e isso deu certo. Mas deu certo por quê? Porque Deus estava me testando para ver o que eu ia fazer com o dinheiro, e eu estava começando a ajudar nas causas sociais do meu pai.

Esse valor da filantropia ficou nos seus filhos e netos?

Ficou bem gravado na primeira geração, dos meus dois filhos, essa eu tenho certeza. As outras eu não respondo, mas espero que sim. Tenho cinco netos ainda pequenos.

O Brasil é um país muito desigual. Além da filantropia, o que é urgente fazer para melhorar?

Em primeiro lugar é preciso conscientizar a elite de que ela precisa ajudar. Um real privado vale dez reais públicos, então uma das soluções passa mesmo pelo setor privado. Outra coisa é que o governo tem que mudar a maneira de educar nas escolas, estamos muito atrasados em métodos de ensino. Precisamos de uma revolução total na educação, o que vai gerar mais saúde e menos violência. E ainda é fundamental conscientizar o povo a exigir mais educação. Esse é um processo que vai levar dez, vinte ou quarenta anos. O Brasil foi descoberto em 1500 e os Estados Unidos em 1492, e veja como eles estão. Um tem herança portuguesa, o outro anglo-saxônica. Nesse aspecto da doação, o americano é o mais generoso. Isso faz parte da cultura, taxas e impostos não são desculpas para não doar.

O senhor é de família judaica e religioso, e fala muito de Deus, inclusive para empresários. Qual é a reação das pessoas?

Em geral é positiva. Mas em uma reunião recente, com pessoas de um nível social bastante alto, eu queria arrecadar dinheiro para uma causa e falei ‘vamos colocar Deus na cabeça’. Um deles disse: ‘Não traga Deus aqui’. Muitos não têm noção da eternidade e da criação. Mas tudo o que eu faço está ligado a Deus, eu fui educado assim, embora tenha sido ateu por dez anos na minha vida. Eu converso com Deus todos os dias.

O senhor disse que Deus está nos testando a todo instante...

Sim, e seu senso de justiça é enorme. Ele está presente e ativo, é só você cutucar. Eu tenho uma tese um pouco pesada: se Deus quer que eu faça o bem, ele não pode me deixar órfão. Se eu consigo fazer, ele me ajuda. Estamos, sim, sendo testados a todo instante. Tive episódios e histórias que mostram como isso acontece. Tanto em questões de saúde como em questões financeiras. Quando doamos, fazemos um acordo com Deus.

O senhor acredita na reencarnação?

Totalmente. Eu estou tentando fazer o que Deus quer que eu faça e plantando sementes da minha vida futura. O pior de tudo é vir para a Terra e não fazer nada que é fundamental na sua missão. O homem nasceu para quê? Primeiramente para trabalhar, para produzir e para fazer o bem. Ganhar é fundamental para poder ajudar. Trabalhe e ganhe muito dinheiro e ajude muito. Por isso não acredito na aposentadoria.

Por quê?

O mundo está torto, a aposentadoria deveria ser proibida. Em vez de se aposentar, as pessoas deveriam produzir para ajudar a sociedade. Em geral, aos 65 anos você está cheio de experiências e conhecimento. Muitos gênios dessa idade passam a ser improdutivos, isso acontece no mundo todo. Mas lá fora é pior do que aqui. Se você não pode dar dinheiro, dê seu tempo, mas se não dá nem um nem outro vira um João ninguém.

Como nasceu a ONG Movimento Bem Maior, que o senhor fundou?

Com o propósito de fortalecer a filantropia no Brasil e investir em projetos e ações de educação. Somos cinco fundadores. Minha missão é essa, o resto são detalhes para chegar lá. Sou bom em doar.

Como o senhor vê esse momento de pandemia que estamos passando?

É um momento de muita reflexão e principalmente de união. Estou entusiasmado com o engajamento da sociedade e dos empresários como um todo, e espero que esse movimento seja contínuo, e não perceptível apenas nos momentos de crise. Não é só hoje que precisamos olhar para o próximo, nossas ações precisam se perpetuar e ganhar perenidade. Quando você ajuda alguém a comer e beber, você sente que está fazendo algo valioso. E fazer o bem é isso, começa pequeno e se torna gigante.

Quais são as ações de filantropia da Cyrela nesse momento?

Por meio do Instituto Cyrela, a companhia tem liderado diversas iniciativas de doação. Entre elas, foram realizadas duas campanhas de doações com os colaboradores e o valor acumulado foi triplicado pela companhia. A primeira foi uma doação destinada ao programa Unidos contra a Covid-19, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), instituição referência em ciência e saúde. A segunda foi a doação de cestas básicas para três instituições de comunidades carentes em São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre. Ao todo, as ações de doação envolvendo o grupo Cyrela e a família Horn já arrecadaram cerca de R$ 26 milhões. Também temos feito outras atividades por meio do Movimento Bem Maior, um dos responsáveis pelo Fundo Emergencial da Saúde - Coronavírus, que ajuda vários hospitais e instituições de saúde.

O que precisamos fazer, tanto o governo como a sociedade e os empresários, para que a pandemia não cause tantos impactos entre os mais vulneráveis?

Precisamos de união entre as autoridades políticas brasileiras. A falta de união gera aumento nos óbitos causados pela COVID-19, e isso me traz muita preocupação. Só unidos vamos conseguir superar esta etapa de forma mais rápida e fortes.

Como tem sido sua rotina nessa fase de quarentena? O que o senhor aprendeu com esse período de pausa forçada?

Tenho tido mais tempo para ler, meditar e ter aulas. Além de brigar com a esposa (risos)! Posso dizer também que esses últimos meses foram férias prolongadas não planejadas. Gosto de pensar que estamos devolvendo todo o tempo roubado ao tempo, e que estamos vivendo um período em que o significado da palavra união nunca foi tão importante. O amor gera unidade. Na física quântica, a luz se divide em energia e partícula, matéria e espiritualidade. Deus é unidade, não é divisível. No fim dos tempos, a alma vai se fundir com o corpo, e tudo será levado a Deus.

O que o senhor tem lido e assistido durante esse período de quarentena?

Tenho lido livros de filosofia do rabino sul-africano Akiva Tatz e visto muitos filmes de artes marciais do Bruce Lee.

Fotos de Felipe Perrella

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