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  • Por Ana M M González

Rodei a baiana!


Sentei-me na cadeira do lado direito do ônibus. A primeira da fila, um pouco mais alta que as outras.

O ônibus parou em um semáforo e eu olhei para os carros na rua também parados.

De um carro pequeno preto, o vidro desceu e o braço de uma mulher jogou um saco vazio de algo no asfalto. Biscoitos de polvilho? Ainda tirou uma garrafa de água e começou a lavar as mãos.

Um sangue subiu-me pelas entranhas. Como assim? De novo a cena tantas vezes repetida pelo trânsito? E com requintes?

Só que desta vez, foi diferente. Eu não estava na direção do carro. E poderia fazer algo. Procurei pela parte de cima da janela do meu lado e tentei abrir. Foi fácil, ufa. Nem sempre é. Pus o rosto pela janela e comecei a fazer perguntas à mulher. Por que motivo a senhora joga lixo na rua? Está certo isso?

Ela não se conteve e começou a se defender. Na surpresa, reagiu mal. Ou seja, não percebeu que poderia ter se desculpado e tudo estaria terminado. Duas ou três frases depois, estávamos gritando cada uma com as suas razões. Ambas, não ouvíamos uma à outra. Ela começara a se defender. Quem era eu para cobrar, blablabla... etc.

Em nenhum momento deve ter passado pela cabeça dessa pessoa que ela não deveria ter jogado lixo na rua? Que a rua é pública e que lugar de lixo é no lixo? Cadê a cidadania? E a educação mínima das pessoas? E a discussão continuou nos longos minutinhos de uma parada de semáforo.

Dentro do ônibus, começou a haver manifestações das pessoas. Pareceu-me que concordavam com a intervenção. O apoio da galera toda tinha me animado.

O trânsito andou. De relance percebi que havia outros carros por ali e uns sete ou oito motoqueiros à volta do carro da pessoa.

Antes de me sentar, olhei para a turminha animada na parte de trás do ônibus que comentava o ocorrido com muitas argumentações. Salve, amigos do bem! Nessa hora, uma ajudazinha faz diferença.

E olhei o motorista. Ele sorria. Comecei a rir também. E agradeci a torcida do fundo com um gesto de braço. Nessa hora, por alguns minutos, todos se tornaram meus amigos do peito. Estávamos juntos com os ânimos exaltados em uma união estabelecida dentro de um mesmo time.

Eu estava desopilando muitas indignações naquele fato, infelizmente, tão comum. Juntaram-se a esse momento outros males, raiva, sensação de injustiça para com a cidade e a coisa pública. As questões pessoais, neste momento, eram totalmente irrelevantes. O que importava era uma sensação de pertencimento a uma comunidade urbana.

Ri mais um pouco imaginando: e se eu tivesse pedido um buzinaço para os motoqueiros? Seria adequado, né mesmo? E teria sido um barulhão merecido e adequado ao delito daquela cidadã.

Desci daquele ônibus de alma lavada. Rodei a baiana como se deve em situação de revolta sem nenhum arrependimento. Quem diria que eu iria viver um momento solene desses?

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