Ana Luiza Carboni: a mulher que pedala o Brasil pelo mundo
A única foto que Ana Luiza Carboni tem da primeira bicicleta, uma Caloi Ceci prata, ficou guardada nas memórias de adolescência. Ela está entre amigos e sorri, em Niterói, onde nasceu. Tem os cabelos longos, usa camiseta e bermuda jeans. Segundo ela, a lembrança é de uma época de liberdade. Poucos sabem, mas a beleza da adolescência, o corpo esbelto e a naturalidade dos gestos levaram Ana a se tornar modelo. Ela ri com as memórias e acredita que a carreira foi interrompida pela incompatibilidade de perfil. A cabeça sempre esteve à frente e ligada às ideias, não ao mundo da moda.
Ana Carboni com amigos, na adolescência: a Caloi Ceci prata foi a sua primeira bike - foto arquivo pessoal
Depois, ela se formou em psicologia e se casou com o historiador Romero Brito. Atuou como psicóloga clínica por oito anos, antes de se mudar para Loughton, em Essex, Inglaterra, onde passou a atuar com gestão de pessoas. Ana só tirou a carteira de habilitação aos 24 anos, quando precisou dirigir por problemas de saúde. Ela estava grávida do segundo filho, que hoje tem 26 anos. O primogênito tem 32.
“Morava em área rural, trabalhava longe de casa e tinha filhos pequenos. Tínhamos carro, apesar de usar mais transporte público e moto. Tínhamos bicicletas, mas usávamos eventualmente para fazer compras e mais para lazer. Quando retornei para minha cidade natal em 2014, a primeira providência foi comprar uma bike e voltar a usar a magrela para me locomover, como sempre fiz”, lembra. De volta ao Brasil, Ana começou a se engajar nos movimentos pró-bicicleta.
Conversei com Ana Carboni em Liubliana, capital da Eslovênia, durante a Velo-city, a maior conferência global sobre bicicleta e cidades realizada pela ECF, Federação Europeia de Ciclistas, em junho.
Ana Carboni e Denise Silveira em Liubliana, durante a Velo-city - foto de Mehmet Zafer Peker
Na sequência, trocamos e-mails e mensagens via watsapp. Entre os pares do mundo inteiro, ela estava à vontade. Interagia em pequenas rodas nas pausas para almoço e café no centro de convenções, como a maioria dos participantes. Por causa de restrições alimentares, sempre levava algo para comer na bolsa para não ser pega de surpresa pelas adversidades do cardápio.
Conversamos sentadas em espreguiçadeiras em um simpático lounge externo, enquanto esperávamos o ônibus que nos levaria para o jantar no Castelo de Liubliana. Ana dava atenção a todos que paravam para conversar, ao mesmo tempo em que mantinha o olhar atento ao celular para não perder nenhuma notificação de demandas de trabalho. O jantar aconteceu ao ar livre, com todos comendo embaixo de guarda-chuvas por causa de uma tempestade rápida que molhou, mas não estragou a festa, embalada ainda por shows ao vivo, dança e descontração.
Palestrando na conferência internacional de ciclismo Velo-city - foto de João Pedro Boechat
Como diretora financeira da UCB, União de Ciclistas do Brasil, Ana Carboni representou o país nas principais plenárias, ao lado de estrelas internacionais, como Jill Warren, CEO da ECF, Jean Dice, CEO da americana "People for Bikes”, Saskia Kuit, senadora holandesa, entre outros. Em temas como: “Foco nos cidadãos, público e comunidade”; “Carros mais lentos, ruas mais seguras. Como domar os carros nas nossas cidades”.
“É sempre muito bom estar presente na arena internacional, temos muito o que aprender com os erros e acertos de outros países. Acredito que precisamos valorizar e dar visibilidade para iniciativas bem sucedidas no Brasil, a cidade de Fortaleza, por exemplo, foi o único município no país a atingir a meta de redução de mortes no trânsito da última década”, conta.
No ônibus, em Liubliana - foto de Denise Silveira
A sua querida Niterói é outro exemplo que ela não deixa de mencionar, com o programa municipal Niterói de Bicicleta. “A coordenadoria do Niterói de Bicicleta vem ampliando a malha cicloviária, instalando paraciclos em ruas e calçadas. Em 2017, foi inaugurado o Bicicletário Araribóia onde 24 vagas de carro tornaram-se 446 vagas de bicicletas usadas por mais de 600 pessoas diariamente. O resultado dessas e outras medidas foi um aumento expressivo e visível no número de ciclistas urbanos na cidade”, explica.
Ana Carboni também representou a América do Sul. É integrante do Conselho Diretor da World Cycling Alliance, que reúne líderes globais em defesa da bicicleta. Ela e outros membros estão intensificando as reuniões para fortalecer a instituição. “Este ano teremos o Fórum Mundial da Bicicleta, em Manizales, na Colômbia, e espero conseguir fazer essa articulação lá”.
Emmanuel John, presidente da Africa Urban Cycling Organization e Vice-presidente (África) da World Cycling Alliance, afirma com entusiasmo que Ana Carboni é especialista reconhecida para debater o ciclismo:
“Fiquei feliz por ela ter feito jus à sua participação na Velo-city, como presenciado também por meus colegas. Principalmente, precisamos acabar com a sub-representação das mulheres. Da mesma forma, os debates sobre transporte sustentável e desenvolvimento do ciclismo são amplamente dominados pela Europa, mais do que qualquer outra região. Nas Américas, o domínio dos países da América do Norte tende a ofuscar as partes do sul, portanto, uma representação do Brasil preenche essa lacuna tanto em deixar sua voz ser ouvida, ampliando as oportunidades de networking. Então a coisa toda é sobre inclusão, equidade e diversidade.”
Diante do castelo de Liubliana, fundado no século XII - foto de Denise Silveira
E a inclusão, a equidade e a diversidade mencionadas por Emmanuel John vieram para ficar. De um expositor de Minneapolis, nos Estados Unidos, durante uma das plenárias que Ana participou, veio uma pergunta especial. Com dez anos de experiência na área, Andy Lambert, diretor executivo da Cyclehoop, empresa de inovação e infraestrutura, questionou o racismo estrutural e a islamofobia não apenas na América do Norte, mas também em países como a Holanda e Alemanha, como um dos fatores que impedem que mais pessoas optem pela caminhada e pela bicicleta como forma de deslocamento. E quis saber como os painelistas trabalham para mudar essa realidade.
“Conhecer Ana Luiza foi como conhecer um espírito semelhante. Nós imediatamente nos conectamos sobre nossa paixão por tornar o ciclismo mais inclusivo e equitativo. Foi muito interessante ouvir como o racismo impacta o acesso ao ciclismo e à caminhada no contexto brasileiro, e conhecer os seus esforços para usar sua posição de autoridade para causar um impacto positivo”, disse Andy Lambert.
Para quem está no Brasil e quer acompanhar mais o trabalho de Ana Carboni, ela dará a Palestra Magna “ O papel do governo federal na mobilidade das cidades”, nesta sexta-feira, 8 de julho, no Bicicultura – Encontro Brasileiro de Mobilidade por Bicicleta e Cicloativismo, em Belém, ao lado de Rafael Calabria, do IDEC. No sábado, ela fala ao lado de Erica Telles, da UBC-DF, sobre “Vias Seguras: pela redução de velocidade nas ruas das cidades brasileiras”.
*Denise Silveira é jornalista, colaboradora voluntária do Pro Coletivo. Esteve na Velo-city 2022, em Liubliana, Eslovênia, selecionada pela ECF para apresentar seu trabalho de storytelling sobre mulheres no “Freewheel Stage”, e ganhou por voto do júri a campanha da conferência nas redes sociais.
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