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Denise Silveira

Em nome do pai


Padre Júlio Lancellotti, ou simplesmente Júlio, como gosta de ser chamado, é daquelas pessoas cada vez mais raras. Como religioso leva a prática do amor ao próximo e da caridade ao pé da letra. Leva como forma de vida, não com palavras vazias e repetitivas, mas dando exemplos diários e seguidos. Como ser humano está na classificação de ‘Anjo do Senhor’. Não mede esforços em ajudar ao próximo, tenha a cor que tiver, a opção sexual que escolher, a nacionalidade que lhe foi ‘imposta’ ao nascer ou a condição socioeconômica forçada pela vida. Júlio enxerga em outrem seres humanos, pessoas, gente que é para brilhar, não para morrer de fome.

Eu o conheci há quase dez anos, na Capela de São Miguel Arcanjo da Rua Taquari, no Bairro da Mooca, Zona Leste da capital paulistana. Fiquei impressionado com sua dedicação, otimismo e entrega no trabalho de socorro aos semelhantes e na luta contra o preconceito e discriminação dos excluídos. De lá para cá nos tornamos amigos, o que muito me honra e enche de orgulho. Vejo nele as virtudes maiores que existiam em Dom Helder Câmara em sua altivez e a delicadeza e amorosidade de Irmã Dulce.

Padre Júlio e o cronista e fotógrafo Carlos Monteiro


Naquele espaço ecumênico, ele recebe de braços abertos todos os que vão em busca de alento ou com o ideal de se voluntariar em colaboração ao seu trabalho, independentemente de credo, raça, gênero. Ouvi muitas histórias, na maioria tristes, mas algumas de superação. Ali percebi o quanto é tênue a linha que leva um ser humano a ficar em situação de rua. Foram histórias absolutamente comoventes, que confesso, me emocionaram bastante.

Mesmo diante de suas limitações em relação à idade, 72 anos, e a saúde, Lancellotti é incansável em alimentar o espírito e o corpo de tantos irmãos que o procuram. Tem o pão nosso de cada dia, muitas vezes a única refeição que será feita durante as próximas 24 horas por muitos, tem a palavra amiga e reconfortadora que nutre a alma, o olhar cândido e fraterno que acalenta e acalanta corações sofridos. Dá pão a quem tem fome, água a quem tem sede e a palavra amiga a quem busca consolo. Faz isso há três décadas.

Tem a cristandade como lema, São Judas como protetor - e não o seria diferente sendo o santo representativo da justiça - e São Miguel Arcanjo como guardião. Na sacristia da capela, uma centenária imagem de São Roque, encontrada em um convento e restaurada, se mistura às doações recebidas, a voluntários engajados na obra social.

Júlio dá o que somente ele mesmo pode compartilhar: seu trabalho, seu carinho e amor para com o próximo. Como no “Óbolo da Viúva”, dá aquilo que pode lhe faltar, o tempo, mas distribui aos borbotões o que tem em abundância: compaixão.

Está sempre ao lado da população carente, dos desvalidos, os invisíveis. Tem especial atenção a seres humanos em situação de rua. Sua luta por igualdade, por justiça e um mundo melhor é perene, apesar dos percalços e ameaças que constantemente recebe, inclusive de quem o devia proteger.

O padre incomoda muita gente, principalmente por ser defensor dos oprimidos. As mesmas pessoas que veem no ser humano em situação de rua um ‘enfeiador’ da cidade e que propagam isso de forma estapafúrdia, irônica e hipocritamente são as que se declaram cristãs. Tem sido incansável nesta batalha entre David e Golias travada diuturnamente.


Em outubro do ano que findou, Júlio recebeu uma ligação do Papa Francisco. Segundo ele, o Sumo Pontífice, em toda sua bondade e generosidade, disse ter visto e sido informado sobre seu trabalho, por meio de fotografias e vídeos. Ao final da ligação, Sua Santidade deixou uma mensagem de otimismo e incentivo: “Não desanimemos e façamos sempre como Jesus, estando junto dos mais pobres”.

Mirem-se no exemplo desse homem, bravo guerreiro, bravo cavaleiro do bem, da paz e do amor.

Padre Júlio Renato Lancellotti é epifania do Senhor.

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