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  • Chantal Brissac

#ocupaçãobicicleta em São Paulo


Entre 2016 e 2019, a jornalista multimídia Denise Silveira esteve em várias cidades europeias e se encantou ao ver a bicicleta em quase todas as cenas: “Ela estava sempre presente, junto a pessoas de todas as idades”. De volta a São Paulo, onde vive, ela decidiu compartilhar com o público essa experiência fotográfica e sensorial, que reúne uma série de vinte impactantes imagens de personagens e cenários onde a bike é a protagonista.


A exposição #ocupaçãobicicleta percorre as estações de metrô até o final de julho de 2021. Durante o mês de março ela fica na estação da Luz; já em abril estará na Fradique Coutinho. Em maio, junho e julho irá para as estações da Linha 5-Lilás: Largo Treze, Santo Amaro e Adolfo Pinheiro. A partir daí, deixará os trilhos para pousar na Ciclovia do Rio Pinheiros, administrada pela Farah Services.

Denise, fotografada por Felix Zucco (agência RBS)


“O objetivo da exposição é trazer para as pessoas uma realidade que a maioria não conhece. Democratizar essa informação e inspirar. Esse sonho de uma cidade com mais bicicletas já existe em vários lugares. Num momento em que as galerias ainda estão fechadas, quero poder apresentar esse conteúdo para quem não pode ficar em casa, precisa trabalhar e se deslocar de metrô. São milhares de passageiros todos os dias”, diz Denise.


A ideia, segundo ela, é mostrar o que viu naquele momento – um olhar que não é de turista –, registrando cenas reais do cotidiano das pessoas e a relação delas com a bicicleta em diferentes culturas. Em cidades da Irlanda, da Inglaterra, da Bélgica, da Holanda, da Alemanha e da Rússia. “Para que todos possam se identificar e refletir sobre a mobilidade e o meio ambiente”, afirmou ela durante a conversa com o Pro Coletivo.


Como aconteceu o projeto #ocupaçãobicicleta?

Comecei a fotografar esse trabalho em 2016. Eu fotografava as cenas e a bicicleta estava sempre lá. Comecei a prospectar em 2018. Primeiro, a exposição se chamava "Bicicleta, Identidade Cultural", com mais imagens. O diretor da Unibes Cultural, Bruno Assami, tinha essa afinidade com a transversalidade da pauta e a mostra abriria no Dia Mundial Sem Carro, em 2020. Não foi possível por causa da pandemia. Durante todo o ano eu fiz lives dentro das atividades educativas da mostra, entrevistando expoentes da mobilidade. Márcio Deslandes, do Fórum Internacional de Transportes, de Paris; Veronica Sesoko, da prefeitura de Dublin, Irlanda; João Camolas, assessor do vereador da mobilidade da Câmara de Lisboa, Portugal, que organiza a Velo-city 2021, e outros brasileiros e brasileiras que atuam aqui.


Como decidiu expor no metrô?

Com a falta de perspectiva de reabertura da instituição por causa da pandemia, uma amiga jornalista, a Ana Machado, sugeriu que eu fizesse na Via Quatro. O próprio Bruno Assami achava que a gente deveria ir para o metrô depois. E também um outro amigo, o jornalista Eduardo Nasi. Eu não conhecia ninguém, mas procurei o email e quando apresentei o projeto, a gestora de comunicação e sustentabilidade da Via Quatro, Juliana de Oliveira Alcides, acolheu a proposta e foi aprovada a cessão do espaço sem nenhuma relação comercial ou fins lucrativos.

A exposição está percorrendo várias estações de metrô da capital paulista

Entre as fotos da exposição, agora em cartaz na Estação da Luz, tem uma da cantora Martn'ália. Como foi o encontro com ela?

Eu a entrevistei com exclusividade em Dublin, Irlanda, em sua turnê cantando Vinícius de Moraes. Publiquei a matéria e a foto no portal Mobilize, e essa imagem também está na exposição. Martn'ália é ciclista e aparece checando uma bicicleta na rua.


Como tem sido o retorno da exposição?

Muito interessante. A repórter que foi cobrir a montagem na Paulista para uma emissora de TV, pedalou comigo e ajudou a carregar as fotos do laboratório até a estação. Eu não a conhecia, ela não era minha amiga, foi um engajamento natural. Um entregador de bicicleta, o Sergio, de Itaquera, parou para conversar e deu seu depoimento para o Instagram da mostra – @ocupacaobicicleta –, que pode ser acessado ao direcionar a câmera do celular ao QR code da apresentação. O sr. Roberto, administrador de empresas, lembrou que pedalou na juventude na Holanda e ficou muito emocionado. Um outro jovem, Eliseu, do Ipiranga, parou para ver a exposição porque teve a bicicleta roubada. E se ofereceu para trabalharmos juntos. Estamos produzindo um fanzine sobre a exposição. Luiz Carlos disse que era youtuber do interior, mas que estava sem celular. Leu a apresentação e as legendas das vinte fotos em voz alta. "Estou aqui representando todos os ciclistas do estado de São Paulo", ele me disse, e pediu para tirar foto com cada uma das imagens.

O entregador Sergio, de Itaquera, conferiu a mostra na Estação Paulista


Qual é a importância da bicicleta na sua história, na sua vida?

Eu sou de 1968. Brincava na rua, em Porto Alegre, onde nasci. Jogava bola, andava de bicicleta e patins. Adulta, usava a bicicleta como lazer. Passei a usar como meio de transporte depois de ficar sem andar por oito meses em 2013. Quando me recuperei, comecei a usar bicicleta para evitar a falta de acessibilidade nos ônibus. Antes da pandemia, costumava ir de bike compartilhada para os ensaios do Coral da USP. A partir dessa experiência, fiz o filme "Alma de Bicicleta", que ganhou seis prêmios nos festivais nacionais e internacionais, entre eles o Zuza Homem de Mello, no Mobifilm 2020, e o Cinefone 2020, prêmio do júri técnico e júri popular. Dirigi e roteirizei, em parceria com a também diretora Marcia Moutinho, coprodução e edição de Fernando Galacine, do São Paulo Incrível, e uma criação coletiva de mulheres daqui, da Finlândia, Grécia, Turquia e Índia. Conto como incentivei minhas amigas no meu círculo a pedalar e a enfrentar as dificuldades. Fizemos sem nenhum orçamento e gravamos tudo com celular.

Você também fez o filme “Ciclovia Musical”, como foi essa experiência?

Em 2018, usei pela primeira vez uma e-bike com pedal assistido para trabalhar. Dirigi e roteirizei o documentário “Ciclovia Musical”, Menção Honrosa no Mobifilm daquele ano por suas mensagens políticas, com participação especial e narração de Gilberto Dimenstein, que não mudou uma linha do meu texto. Ele gravava e dizia: "que lindo"! Faz muita falta. A e-bike foi a melhor opção de deslocamento para dirigir as equipes do filme e fazer assessoria de imprensa ao mesmo tempo, receber os jornalistas dos veículos de comunicação em roteiros simultâneos. O projeto Ciclovia Musical foi criado pela Giane Martins, musicista e diretora da ArteMatriz, e tem apoio da rede Bike Anjo. O objetivo é incentivar quem nunca andou de bike e nunca foi numa sala de concerto a pedalar e ouvir música instrumental. São percursos intercalados com apresentações. O projeto está paralisado por causa da pandemia.

Como você vê a mobilidade urbana em São Paulo e o que considera importante para melhorá-la?

A polarização política só atrapalha e essa pauta também é polarizada por diferentes grupos. A gente só vai melhorar quando essas bolhas forem superadas, quando trouxermos quem não pedala, principalmente as mulheres que não são atletas. São elas que influenciam nas decisões de toda a família, em qualquer recorte econômico, social, de raça, de credo.

Estamos no auge da pandemia, com novas variantes do vírus ainda mais contagiosas, milhares de mortos, milhares com sequelas da doença, precisamos resolver a saúde pública. A bicicleta poderia ser incentivada como transporte seguro para evitar a contaminação, a exemplo de outras cidades no mundo. Aqui em São Paulo nenhuma ciclofaixa temporária foi criada para evitar a aglomeração nos transportes e diminuir os riscos durante a semana.

Como é sua rotina de locomoção na cidade? E como tem se movimentado na pandemia?

Estou trabalhando em casa. Fui atropelada pela pandemia como a maioria das pessoas e fiquei sem emprego fixo. Estou colaborando como roteirista num documentário investigativo, que já está em fase de edição, e em outro médico, em fase de pré-produção.

Para um trabalho temporário de edição de texto num telejornal, que fica numa rodovia em outro município, fui de carro de aplicativo pago pela produção, para evitar a contaminação da equipe pela covid.

Para compras no centro, uso bicicleta compartilhada. Ano passado, também usei bicicleta compartilhada para gravar cenas do filme "Alma de Bicicleta" na Cracolândia.

Para resolver as coisas da exposição, aluguei uma e-bike. Levei as fotos do laboratório para a estação Paulista de bicicleta elétrica, com ajuda da professora Giselle Valle, personagem de uma das fotos, que pedalou uma cargo emprestada de outra amiga, a Ana Celia Monteiro, da Capricho Molduras. E recebi ajuda do André Jannini e Kaue Costa, da Cicloway, que emprestaram uma mini bike para a repórter que fez a matéria. Kaue foi junto e dirigiu um triciclo elétrico.

Agora estou num novo frila de edição numa outra emissora, para cobertura da covid-19, e continuo usando a e-bike alugada. Só que ela não é boa para grandes distâncias e subidas, dá muita manutenção e o serviço de assistência técnica não é pensado para a mulher ativa. Em pleno domingo de plantão fiquei na mão e não pude fazer imagens da cidade de madrugada. Seria minha primeira colaboração com o jornal como videorrepórter nessa temporada. Vou quebrar o contrato e devolver. Vou precisar de outra solução e, por enquanto, voltar a usar metrô e carro de aplicativo.



O que mais a surpreendeu em suas pedaladas pelo mundo? O que gostaria de trazer para o Brasil?

Como jornalista, eu sinto necessidade de fazer um trabalho independente onde eu possa abordar novos olhares. A #ocupaçãobicicleta faz parte disso. É um recorte de 20 imagens com curadoria do repórter fotográfico Marcos Alves e artes de Vinícius Pereira. Um dos meus lugares favoritos é a Ciclovia dentro d'água, em Bokrijk, Genk, a região flamenga da Bélgica. Depois que estive lá, foi escolhido como um dos 100 lugares que você não pode deixar de visitar pela revista Time. O Brasil tem tantos lugares, poderíamos ter algo parecido aqui.


Até quando sua exposição fica em cartaz? Quais são seus próximos projetos?

A #ocupaçãobicicleta fica em cartaz até julho, cada mês numa estação diferente. Depois vai para a Ciclovia do Rio Pinheiros, administrada pela Farah Service. O fundador, Michel Farah, foi o único que me ajudou até agora com patrocínio para imprimir as fotos, para que eu possa ir para lá depois. Michel é um empreendedor visionário, para ele não é um business. É um propósito. Assim como o apoio que recebi da London London Guia. Quando soube que eu estava viajando com dinheiro de vaquinha virtual, Monica O'May me hospedou em sua casa e fez um tour para que eu pudesse fotografar em Londres, na Inglaterra. Ela é uma das mais importantes guias para brasileiros. Essa exposição é dedicada ao Jeroen Raedschelders, meu namorado belga que faleceu em 1997 num acidente de carro na Holanda. E aos seus pais Mathi e Chris, que me ensinaram a ter um outro olhar sobre a Europa, nós ficamos muito ligados.


O que é para você uma cidade com mobilidade inteligente?

A mobilidade inteligente tem tudo a ver com a Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável. Todos os temas estão relacionados à mobilidade, qualquer que seja a sua ODS. Infelizmente, no Brasil, estamos bem longe dessas metas e estaremos cada vez mais com esse presidente.

O que você aprendeu e gostaria de compartilhar?

Ouvi de um homem que eu não posso ser cicloativista porque uso bike compartilhada, ele é um embaixador de uma grande marca importada. Ouvi mulheres de destaque no ciclismo perguntarem se eu havia pago para ser selecionada para falar numa conferência internacional. Poucas são as pessoas que ficam ao seu lado quando você está trabalhando. É parte do machismo estrutural da sociedade não reconhecer e não valorizar o trabalho da mulher. As próprias mulheres entram nesse jogo. Além disso, cada trabalho tem um recorte específico. Sempre questionam por que eu não mostrei isso ou aquilo. Ninguém cobra do ortopedista por que ele operou o joelho e não o coração. Do lado comercial também acontece. Uma empresa ligada a um banco propôs emprestar bicicletas para uma pedalada na abertura da exposição. Querem aparecer, mas não querem aportar. E olhos bem abertos para grupos onde mulheres são apenas coadjuvantes. Elas não vão ficar ao seu lado. Elas ainda estão lá atrás, em busca da aprovação dos homens. Se você é mulher e tem seus projetos, não desista. Corra atrás e faça o seu. O apoio virá de onde você menos espera. Confie em você mesma e lute como uma mina.

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